domingo, 4 de setembro de 2011

Entrevista publicada na Revista Persona Mulher

SOS Serra da Capivara

Kariane Costa

Em meio ao debate político do novo código florestal brasileiro e aos recentes assassinatos de ambientalistas no país, arqueóloga responsável pelo Parque Nacional Capivara, denúncia o descaso e abandono das autoridades, e desabafa: “a situação está péssima, desse jeito vamos ter que fechar o parque”

Niède Guidon

Niède Guidon é reconhecida internacionalmente devido às descobertas dos sítios arqueológicos no Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí. A cientista defende a chegada dos primeiros homens a América há 58 mil anos. Ferramentas de pedra encontradas no Boqueirão da Pedra Furada, em São Raimundo Nonato, Piauí, indicam que humanos habitavam o local já nessa época.

A arqueóloga é responsável pela preservação, desenvolvimento e administração do Parque e luta para obter mais recursos para transformar a região num pólo turístico, levando desenvolvimento sustentável para uma das áreas mais pobres do país. Considerado Patrimônio da Humanidade pela Unesco em 1991, apesar do parque ser um verdadeiro museu a céu aberto, com mais de 30 mil pinturas revelando o cotidiano dos primeiros habitantes do país, o parque vive mergulhado em dificuldades financeiras, sempre vítima do descaso do governo.

Niéde Guidon, aos 78 anos, declara estar desanimada e clama por ajuda das autoridades para salvar o Parque Nacional da Serra Capivara. Em entrevista exclusiva a cientista relata à Revista Persona Mulher sua história.

Acompanhamos a sua luta há anos pela preservação do Parque Nacional da Serra da Capivara. Qual a situação atual? Existem melhoras significativas?

Niéde: A situação está péssima! Do jeito que está vamos entregar o Parque. Enviaremos um oficio para o presidente do Instituto Chico Mendes e para o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) pedindo para receberem o parque. Não há dinheiro para pagar salários aos funcionários, houve época que muitos ficaram quase seis meses sem receber, fomos obrigados fechar 14 guaritas, em consequência desse fechamento o parque virou rota de tráfico.

Como foi a trajetória do Parque?

Niéde: O Parque foi criado em 1979 e até 1986 foi depredado por caçadores, exploradores de madeira porque não tinha funcionários e não era um parque legalmente constituído. Contudo em 1986, foi criada a Fundação Museu do Homem Americano e conseguimos por anos manter os caçadores e depredadores longe do parque. Tempos depois o Incra anunciou que iria distribuir terras da área de proteção ambiental e começou uma nova luta.

Como a senhora reagiu na época aos anúncios de assentamentos pelo Incra na região ?

Niéde: Fui à Brasília denunciar esse absurdo, comuniquei ao Ibama e ao Ministério da Cultura as ilegalidades que estavam sendo cometidas. Na época, o Ibama mandou uma comissão estudar o caso e proibiu que os assentamentos fossem feitos ao lado do Parque Nacional. Mas os assentamentos existem, as pessoas chegam no fim de semana e caçam. São famílias que recebem um pedaço de terra, mas não conseguem cultivar nada e continuam vivendo na miséria. Pegam o dinheiro da agricultura familiar, que recebem todo ano, para comprar sementes e adubo e não compram nada. Pelos simples motivo que a terra é seca e árida, não há como plantar.

Existe uma solução para esse problema?

Niéde: Já sugeri ao governo que financiasse, por exemplo, o cultivo de cactos para incentivar o cultivo de plantas ornamentais, já que existe um comércio amplo para esse negócio. Mas o governo argumenta que não pode, porque é dinheiro da agricultura familiar. Seria tão simples porque com a venda dos cactos eles poderiam comprar comida.

Políticos e comerciantes também construíram casas na região. Quando começou a ocupação ?

Niède: A região foi invadida há cerca de 20 anos no Alto da Serra, que é um lugar mais fresco da cidade, foram casas com piscinas e churrasqueiras. A conseqüência direta disso foi a caça, pois juntos com donos das terras vieram seus agregados. Do outro lado, quando eles dizem que os pobres caçam para comer não é verdade. Os homens estão caçando para vender a carne. Esses caseiros caçam porque no fim de semana a família chega para ficar lá na beira da piscina comendo tatu assado.

Além disso, o principal problema é a falta de recursos financeiros e apoio do governo?

Niéde: Do jeito que está não vamos continuar, hoje só temos o dinheiro da Petrobras Ambiental e, infelizmente, não é suficiente. Vamos despedir as pessoas e não temos como prosseguir cuidando do parque. Inúmeras vezes tentei conseguir um orçamento, o que é muito difícil continuar sem uma regularidade, não há um orçamento fixo que nos permita trabalhar de modo continuado. Nós tínhamos antes um dinheiro da compensação ambiental. Grandes empresas que tem um impacto do meio ambiente mandavam uma porcentagem. Em 1978, eles criaram um fundo de compensação e o dinheiro fica em Brasília.

O dinheiro não chega ao parque?

Niède: Até brinco dizendo que o fundo de compensação deve ser bem fundo mesmo. A situação aqui está grave, inclusive a Polícia Federal esteve aqui hoje, porque com o fechamento das guaritas, a Serra da Capivara acabou virando rota de tráfico de droga.

A senhora já tentou se reunir com a presidenta Dilma Rousseff?

Niède: Sim. Quando ela era ainda ministra estive com a presidenta que solicitou imediatamente à Petrobrás que liberasse mais um auxílio pela Lei Rouanet. A Dilma assumiu o compromisso de conseguir, desde janeiro de 2006, um orçamento fixo, mensal, que nunca atrasasse e não fosse atingido pelos contingenciamentos decididos pelo Ministério da Fazenda. Atualmente, a Petrobrás nos ajuda com pouco, mas infelizmente o orçamento fixo nunca chegou.

Sua grande meta era que o Parque Nacional da Serra da Capivara fosse um pólo de turismo, por que isso não aconteceu?

Niède: Existia um projeto no qual a previsão era receber milhares de turistas do mundo inteiro. Mas para isso acontecer era preciso finalizar a construção do nosso aeroporto internacional aqui em São Raimundo Nonato. O problema é que nunca há recursos suficientes, aqui no Piauí dizemos que faz muito calor e o dinheiro que está em Brasília derrete e nunca chega aqui. Sem aeroporto, todo nosso projeto de desenvolvimento auto-sustentável, buscando garantir recursos para manter o Parque, os sítios arqueológicos, nosso programa social de educação pela arte, tudo vira pó.

Recentemente um casal envolvido em denúncia contra madeireiros ilegais foi assassinado. A senhora que já foi ameaçada de morte?

Niède: Essa realidade aqui no nosso país é muito triste, na década de 90 por causa da questão do calcário eu enfrentei ameaças, agora situação está mais calma. Um exemplo é a nossa tentativa de abrir uma variante do parque nacional. A parede é do parque, mas a terra da frente é particular e uma parte está queimando e vai arruinar todas as pinturas. Em conversa com proprietários cheguei a um acordo, mas tem aqueles valentes: “Aqui a senhora não entra porque se entrar eu mato”, é um costume deles, porque se matar não acontece nada, o que é um problema no Brasil.

Como a senhora assiste o debate do Código Florestal?

Niède: Quando cheguei aqui essa região era cheia de florestas, a caatinga veio depois. Na planície era tudo floresta pau d´arco e aroeira. O rio Piauí corria, a cidade de São Raimundo tinha uns 10 lagos cheios de garça e pássaros, hoje não tem mais nada disso. Para mim, o Código Florestal deveria ter sido feito por verdadeiros defensores do meio ambiente, aqueles que conhecem e convivem com a destruição constante de nossas riquezas naturais e não por políticos, uma vez mais o meio ambiente sairá perdendo.

A senhora já recebeu o prêmio Fundação Príncipe Claus, indicação ao Nobel da Paz, o troféu Tejucupapo, prêmio o Globo, entre outros importantes reconhecimentos. Qual foi em sua opinião sua maior vitória?

Niède: Ainda não tive, o melhor prêmio que eu poderia receber era a notícia que o parque terá um orçamento fixo. Mas, confesso que estou cansada e quase sem esperança.

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